Conheça a história de Mahicon Librelato, promessa que une Inter e Criciúma e teve a vida abreviada
ESPORTES
526

Conheça a história de Mahicon Librelato, promessa que une Inter e Criciúma e teve a vida abreviada

Jogador faleceu em um acidente de carro

Por José Augusto Pirolli da Silva
30/06/2024 18:30
Compartilhar
        


"Librelato vive", diz a faixa pendurada nas arquibancadas do Beira-Rio pela torcida do Inter ao longo dos últimos 22 anos. Homenagem semelhante também costuma ser vista no Heriberto Hülse, casa do Criciúma. Os dois clubes, que se enfrentam neste domingo, fazem parte da breve, mas marcante história de Mahicon Librelato, jovem atacante que perdeu a vida em um acidente de carro.

– Nos jogos que o Inter tem feito no Heriberto Hülse, levam a faixa dele. A própria torcida do Criciúma leva. Há competições com o nome dele pela região – orgulha-se o primo, Lucas Librelato.

Mahicon José Librelato da Silva nasceu em Orleans, cidade a 40 quilômetros de Criciúma, no sul de Santa Catarina. Desde criança, se destacava nos campeonatos de futsal. O que se repetiu quando trocou as quadras pelos campos. Pelo cabelo loiro cacheado, ganhou o apelido de Valderrama, apesar de jogar mais avançado que o astro colombiano.

Formado nas categorias de base do Criciúma, estreou como profissional no time catarinense em 2000. No ano seguinte, foi artilheiro do Campeonato Catarinense, com 19 gols, na campanha do vice-campeonato do Tigre. Despertou a atenção do Inter, onde ficou marcado por uma partida histórica contra o Paysandu, que livrou o clube do rebaixamento. Seu último jogo antes de perder a vida, aos 21 anos.

A negociação com o Colorado

O ex-presidente Fernando Carvalho recorda que, no final de 2001 para 2002, não era tão fácil colher informações sobre jovens jogadores, como ocorre atualmente, nem existiam olheiros espalhados por todos os cantos. Mesmo assim, o talento que desabrochava no Criciúma era assunto no Beira-Rio.

Na época, Carvalho se preparava para o pleito eleitoral, que o consagraria presidente do clube pela primeira vez. Enquanto montava o colegiado que o escudaria, ouviu falar de Librelato pela primeira vez por Ithon Fritzen, ex-preparador físico e futuro coordenador técnico de sua gestão.

Interessado com os relatos sobre a jovem promessa, Carvalho solicitou que Newton Drummond, o Chumbinho, antigo aliado e que assumiria o cargo de executivo de futebol, confirmasse se o atacante do Criciúma era mesmo tão talentoso. Não demorou muito e a contratação foi chancelada.

– A Lei Pelé acabara de entrar em vigor e nossos jogadores estavam com contrato no fim. Avaliamos bem antes o mercado caso ganhássemos (a eleição). Quando fomos eleitos, conseguimos contratá-lo. Foi uma aposta em cima destas observações – lembra Carvalho.

As tratativas com o Criciúma, porém, foram complexas. A negociação se arrastou e encerrou em janeiro de 2002, com o repasse de quatro jogadores ao clube catarinense, cerca de R$ 850 mil em dinheiro e assinatura do contrato por cinco anos. Librelato vinha de recuperação de lesão na clavícula, o que não impediu seu acerto com o clube gaúcho.

Introvertido e fã de música

O talento com a bola dividia espaço com a timidez fora de campo, até pela pouca idade. Librelato fugia do estilo boleirão. Pretendia cursar vestibular para Medicina caso não alcançasse o sucesso no futebol. Nos primeiros dias no Beira-Rio, ele ficou mais mais próximo de Chumbinho, que se surpreendeu com a atitude e os gostos do atacante.

– O Mahicon tinha de fazer uns exames e combinei de levá-lo, mas ele passou na minha casa e me pegou. Naquela época, os carros tinham DVD e o som dele tocava Beatles. Perguntei sobre o grupo e ele disse que ouvia – recorda o dirigente.

A música era a outra paixão de Librelato. Assim como tinha desenvoltura com a bola nos pés, demonstrava destreza com as mãos na faceta instrumentista. Chegou a tocar em uma banda de rock na juventude.

– O Mahicon gostava de música, tocava bateria e violão. Era um bom baterista. Ele tocava no "Os Ratones", uma banda cover de Ramones – revela Rafael Paladini, amigo de infância.

No Beira-Rio, Librelato se aproximou de Chris. O ex-zagueiro também vinha do interior de Santa Catarina, no caso Blumenau. Acompanhados das mulheres, costumam se encontrar em pizzarias e viajar para cidades do litoral norte gaúcho, como Torres. Na concentração, a jogatina ajudava a fazer o tempo passar.

– Concentrávamos juntos com o Clemer e o Cássio. Os guris jogavam videogame, mas eu não gostava. Ainda tinham rodadas de baralho – conta Chris.

Quem conviveu com Librelato o descreve como um garoto tranquilo, até introvertido nos primeiros contatos. A residência na avenida João Pessoa, no bairro Cidade Baixa, zona central de Porto Alegre, recebia poucos companheiros. No entanto, quando conseguiam cativá-lo, ele logo se soltava.

Gol salvador em Belém

Considerado um atacante ainda em formação, Librelato encarou um ano complicado pelo Inter, mesmo com o título conquistado no Gauchão. O clube sentia os efeitos de uma delicada situação financeira.

Os jogadores conviviam com salários atrasados e chegaram à última rodada do Brasileirão com a necessidade de vencer o Paysandu no Mangueirão, além de uma combinação de resultados parelelos, para evitar um inédito rebaixamento à Série B.

Librelato pelo Inter

28 partidas

20 jogos como titular

10 gols

1 assistência

1.727 minutos em campo

Para tirar o time da delicada situação, Carvalho decidiu pela demissão de Celso Roth e a contratação de Cláudio Duarte a quatro rodadas do fim do campeonato. O treinador, histórico jogador do clube, fez um diagnóstico e entendeu que a pressão sobre os mais experientes era demasiada e resolveu apostar nos jovens, como Librelato, Chiquinho e Daniel Carvalho.

– Os mais velhos apanhavam bastante e não me parecia que conseguiriam reagir. O fato de usar os meninos, como o Librelato, nos deu uma solução até um pouco mágica. Precisávamos vencer e torcer por outros resultados. Era praticamente impossível. O Librelato era um atacante muito inteligente, ainda que estivesse em evolução. Colaborou bastante – elogia Claudião.

Com a necessidade de construir o resultado, o Inter se atirou ao ataque e empilhou chances. Os gols, porém, demoraram a sair, o que só aumentava a apreensão e o nervosismo dos colorados, no campo e fora dele. Até que, os 13 da etapa final, Fernando Baiano chutou cruzado da direita. Librelato se atirou na bola para estufar as redes de Róbson.

Foi um alívio. Ele entrou de carrinho para completar um chute do Fernando Baiano, que fez o segundo. Foi incrível aquela tarde"

— Daniel Carvalho, ex-jogador do Inter

O gol do centroavante saiu três minutos depois em uma falta cobrada da intermediária no canto esquerdo do goleiro do Papão. Era a segurança da permanência na Série A. No campo, abraços, gritos e retribuição aos torcedores que cruzaram o país para apoiar o time em Belém.

– Vimos o jogo de pé no Mangueirão próximo à torcida. Um cara jogou um rádio ao lado do meu rosto. Foi um horror, mas nos salvamos. Ainda fizemos o segundo – recorda Chumbinho.

Apesar da pouca idade, Librelatao voltaria de Belém com outro status. Rapidamente, o atacante subia na hierarquia no Beira-Rio e era visto como um dos potenciais titulares do time para a próxima temporada.

– Imagina ele com Nilmar na frente. Ele tinha característica parecida, embora não fosse tão rápido, mas com drible e finalização. Seria uma dupla explosiva – suspira Carvalho.

O acidente em Florianópolis

Mantidos na Série A, os jogadores colorados aproveitaram para desfrutar das férias. Chris tinha um encontro marcado com Librelato em Santa Catarina. Que nunca aconteceu.

Onze dias após o duelo com o Paysandu, em 28 de novembro de 2002, o atacante se divertia com os amigos Rafael Paladini e Rafael Senem em Florianópolis, quando a caminhonete que dirigia derrapou na pista molhada pela chuva e caiu no mar em uma curva perto da Ponte Hercílio Luz.

Rafael Senem conseguiu sair do carro sozinho, mas Librelato e Paladini tiveram de ser resgatados por bombeiros. Quando os médicos chegaram, tentaram reanimar o atacante do Inter, mas constataram a morte por parada cardiorrespiratória ainda no local.

– O carro ficou de cabeça para baixo e o bombeiro precisou pular na água para realizar o resgate. O vidro da frente quebrou e ele me achou. Eu estava desacordado – conta Rafael Paladini, sobrevivente do acidente.

O amigo de Librelato foi levado ao hospital, onde permaneceu uma semana internado na UTI. Sorte que o atacante não teve. Até hoje, Paladini sente um misto de emoções quando lembra do episódio.

– Tive parada cardíaca e respiratória. Morri, né? Tenho gratidão por sobreviver, sem sequela alguma. Segundo os médicos, eu poderia ter morrido pela falta de oxigenação. Mas fica a tristeza pela perda do meu amigo, um irmão – lamenta.

A notícia da morte de Librelato chegaria a Porto Alegre na madrugada de 29 de novembro. Chris foi informado por Dona Maurina, mãe do jogador. Carvalho e Chumbinho por jornalistas, que buscavam confirmar o fato. O trio, assim como Daniel Carvalho, viajou a Orleans para se despedir do atacante e prestar solidariedade aos familiares.

– Foi um choque, um trauma para todos. Era um menino, com um futuro brilhante pela frente – destaca Fernando Carvalho.

O discurso sobre o potencial de Librelato é unânime. Todos acreditam que ele tinha tudo para ser um protagonista do futebol, com chances de alcançar a Seleção e desbravar o futebol europeu. Nunca saberemos. A única certeza é que ele segue vivo na memória dos torcedores do Inter e Criciúma e dos que conviveram com ele durante sua trajetória meteórica.

Fonte: Globo Esporte




Notícias Relacionadas